FanFic: Supergirl - Pólvora, Sangue e Carvão - 01 de 04



Supergirl: Pólvora, Sangue e Carvão

Capítulo 01: Contagem de corpos

Clark Kent estava começando a se sentir incomodado nesse ponto. O clima estava gelado demais. Claro que a sua pele invulnerável não era capaz de sentir a temperatura. Mas o tipo de frio aqui ele era capaz de sentir perfeitamente bem. Durante as quatro horas de viagem a adolescente sentada ao seu lado no carro nem uma única vez desviou o olhar da janela, nem mesmo quando a paisagem do lado fora podia ser adjetivada de qualquer coisa, menos de atraente.

Clark:
- Papai e mamãe estão muito ansiosos pela sua chegada.  Nas palavras deles “já faz um bom tempo desde que tiveram uma criança para mimar”. Dois meses com a torta de maçã da Sra. Kent e quando nos reencontrarmos a senhorita estará exibindo uma cintura de ovo!

A jovem contempla o esmalte das unhas sem exibir qualquer sinal externo de haver ouvido algo. Segue-se um instante constrangido de silêncio enquanto o motorista toma novo fôlego e recomeça escolhendo a dedo o seu tom de voz mais amistoso.

Clark:
- Você tem muita sorte, sabe! Quer dizer, essa é sem favor algum a melhor época do ano para alguém visitar Smallville! A colheita acabou de terminar, as ruas estão cheias de pessoas de fora, tem gente comprando e gente vendendo, feiras, exposições e eventos. Com certeza você vai se divertir muito!

A animação na voz de Clark é equivalente à gélida indiferença que encontra em resposta na interlocutora.

Clark engole em seco, acusando o recebimento da pancada e reúne toda a sua energia interior para corajosamente tentar uma nova investida:
- Nada é melhor para a saúde mental de uma pessoa do que um revigorante período sabático em contato com o verde e um pouco de ar puro. Um tempo para relaxar a cabeça longe de todo o barulho e o estresse de Metrópoles. Quer dizer, de minha parte, se pudesse escolher eu moraria aqui!

A bela jovem lhe presta equivalente atenção a que qualquer um destinaria a um ácaro invisível, mudo e paralitico.

Clark suspira e se resigna a continuar dirigindo em silêncio. Pouco mais de quinze minutos de trajeto e o carro pára diante do sobrado na parte do terreno que ligam a estrada e a cidade aos vastos milharais do rancho dos Kent. Mas hoje o milho não está mais aqui, já foi colhido.
Clark abre a porta do carro e desce para ser prontamente acolhido pelos calorosos abraços dos dois risonhos anciães que aguardavam à entrada da propriedade.

Clark:
- Mamãe! Papai! Saudades de vocês!

Martha:
- Clark! Você está bem? Tem comido direito? Não gosto nada da sua cara, está meio pálido...

Jonathan:
- Martha, pelo amor de Deus! Está falando sério? Nós sabemos muito bem que nada no mundo pode fazer mal a esse menino!

Clark:
- Queria muito que isso fosse verdade, pai. Queria mesmo.

Jonathan:
- Então filho, nos diga. Hoje você não veio sozinho.

Martha:
- Ah, sim! Temos andado tão ansiosos esses dias! Onde está ela?

Clark abre a outra porta do carro e a luz solar que entra acentua a beleza da ocupante do assento, uma linda jovem não aparentando ter mais de quinze anos, caucasiana, loira de olhos azuis, ar angelical, seus cabelos lisos descem pouco alem da altura dos ombros, só estragando o quadro a indefectível expressão de desgosto profundo ostentado pela menina.

Clark:
- Pai, mãe, esta é minha prima Kara, única parente de sangue que eu tenho no mundo.

Jonathan:
- Clark, você não nos disse que ela era tão jovem!

Martha:
- Será que damos conta? Há tanto tempo não temos uma criança para cuidar.

Clark abraça aos dois, um com cada braço:
- Não há ninguém no mundo em quem eu confiaria mais do que em vocês dois! A Mulher-Maravilha e a Liga da Justiça vêm em segundo lugar pra mim.

Os dois retribuem o abraço.

Jonathan:
- Bem filho, então vamos convidar alguém mais para se juntar a esse idílio familiar.

Clark:
- Sim. Claro. – dá mais um passo na direção da porta aberta no carro e estende sua mão – Kara, esses dois são...

Kara se levanta ignorando a mão estendida, coloca no rosto um óculos de Sol e entra na casa, parecendo não ser capaz de detectar a existência de Clark através de nenhum de seus supersentidos.

Clark:
- Uau. Chega a fazer o Batman parecer sociável e comunicativo, não acham?

Martha:
- Está tudo bem?

Clark:
- Se “bem” for a terminologia atual para um meio termo entre Desastre Nuclear Ambiental e Tragédia Grega, então sim, está. Kara passou por eventos extremamente traumáticos nos últimos dias. Estou preocupado.


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Um galpão abandonado num afastado bairro de uma cidade grande.
Os gemidos de dor se mesclam à poeira e à densa nuvem de fumaça de cigarro. Muitos deles fumam.
No centro do salão ladeado por todos os flancos por capangas, a vítima, o Sr. Didio, geme pendurado de cabeça para baixo pelos tornozelos, sem camisa, os braços pendendo para baixo enquanto o suor escorre e pinga no chão. A fumaça, a poeira e o desconforto físicos não lhe parecem tão incômodos quanto os risos de escárnio que o cercam.
Mas quando o homem no fundo do galpão fala, tanto risos de chacota quanto gemidos de dor silenciam.
Peter Eschibetta veste um Summer Smoking cuja alvura contrasta com todo o resto do ambiente, tanto estruturas físicas quanto pessoas, lembrando eficazmente que seu dono não é da mesma estirpe dos seus colaboradores associados. De baixa estatura e parca compleição física, seu amplo sorriso que ilumina o rosto e inclui os estreitos olhinhos azuis revela a saciedade de quem só provou do que a vida tem de melhor. Seu cabelo negro impecável com gel, lustroso feito prata de lei, sua pele tão branca que inquietaria um hematologista mais atento embora seus lábios muito vermelhos atestem haver sido uma criança de nutrição regalada, que apesar disso estacionou na marca de 43 quilos de peso e nela desde então tem se mantido imóvel. Suas feições refinadas e bem tratadas de tão delicadas chegam a ter um quê de feminino, que não reflete em absolutamente nada o que existe dentro do coração do seu dono. Ele ainda é jovem demais para ter uma barba no rosto. Mas quando arrasta os seus legítimos sapatos italianos até o centro do recinto a sua voz suave e calculada tem a precisão de um cirurgião que sabe exatamente onde tocar e com que força para realizar o invulgar.
- Estou de saco cheio.

Didio:
- Menino Petey, por favor...

Com um chute Peter Eschibetta quebra o nariz do senhor Didio.

Didio:
- Aaaah! Ai, meu Deus! Ah, minha nossa...

Peter:
Está vendo o meu pai aqui, em algum lugar, senhor Didio?

O Sr. Didio não emite resposta, apenas respira pesadamente tentando se acostumar com o gosto de sangue na boca e se perguntando sobre o que virá a seguir.
Peter apóia sua mão no queixo da vitima e projeta todo o seu peso fazendo os grilhões nos calcanhares extraírem sangue.

Didio:
- Ai! Aie! Aaah! Por favor! Peter, por favor!

Peter (o tom de voz mais sereno e impassível do mundo):
- Eu lhe fiz uma pergunta.

Didio (com urgência na voz):
- Não! Não, não estou! Não vejo seu pai em parte alguma por aqui, Peter!

Peter:
- É porque o meu pai não está aqui. Hoje eu recebi oficialmente da Família o controle da organização. Isso significa obviamente que todos os cães traiçoeiros que direta ou indiretamente contribuíram de alguma maneira para a morte do meu velho estão tão ferrados que não dá nem pra imaginar. Significa também outra coisa: Que eu não sou mais “o menino Petey”. A partir de agora você e todo mundo mais irão se referir a mim como “o senhor Eschibetta”. Será que eu fui claro?

Didio:
- Sim! Muito claro, claríssimo! Perfeitamente claro!

Peter retira a Mao do queixo do Sr. Didio e se apruma no chão:
- Excelente. Já estamos nos entendendo. Vamos ver se continuamos nos entendendo? Quero de volta uma coisa que é minha.

Didio:
- Peter, por favor, digo, senhor Eschibetta! Eu não sei o que foi que lhe disseram, mas juro que não...
Peter segura uma das mãos do Sr. Didio.

Didio:
- Hã? O que... ? Peter lhe quebra o dedo mínimo.

Didio:
- Aaargh! Ai! Aaaaieee! Ah, meu Deus, ah meu Deus, me ajude...

Peter:
- Procure ver as coisas pelo meu ponto de vista: posso fazer isso o dia todo. Existem duas maneiras de se fazer isso e das duas eu consigo o que eu quero, você colaborando ou não. Mas se você não colaborar isso vai ser longo...

Didio:
- Peter, digo, senhor Eschibetta, por favor, o senhor tem que acreditar em mim! Eu não sei do que o senhor está buscando, eu juro!

Peter toma um cigarro de um dos capangas e apaga a brasa no mamilo do senhor Didio.

Didio:
- Aaaaiiieee! Por favor, por favor... !

Peter:
- Não brinque comigo seu filho de uma cadela sarnenta! Você e o Terry eram os dois responsáveis pela guarda da menina naquela noite. Hoje eu pessoalmente despendi a maior parte da manhã quebrando um a um dezessete diferentes ossos do corpo daquele viadinho. Depois de eu me certificar de que ele bateu o recorde triolimpico de dor humano Terry morreu porque não sabia de nada. Isso me deixa apenas com você.

Didio:
- É que eu não podia contar... Tudo bem, tudo bem! Se eu disser a verdade o senhor me liberta?

Peter:
- Tem a minha palavra de cavalheiro.

Didio:
- Não era pra eu contar... Eu não poderia contar... O Terry não estava de plantão aquela noite! Ele trocou o turno com o Sam!

Peter:
- A troco?

Didio:
- Que importância isso tem?! A pivetinha deu no pé quando eu fui comprar rango e só o Sam estava de olho nela! A essa altura o Sam deve saber que eu já soltei a língua e deu um jeito de se mandar pra bem longe!

Peter:
- Quando você arranca uma confissão de um bandideco pé-de-chinelo que soltou a língua pra ganhar alguma coisa em troca é noventa por cento certo que ele esteja te contando só uma meia verdade. Mas e a outra metade? Que parte da história a “meia mentira” está cobrindo?

Didio:
- Sr. Eschibetta, por favor! O Sam é a única pessoa no mundo que pode dizer para o senhor onde a menina está! Ele sabe que o senhor vai atrás dele, a essa hora já deve estar bem longe! Se o senhor não correr...

Peter:
- Meu pessoal te torturou por três horas e você não disse nada. Ou foi muito bem pago ou sua família foi ameaçada. O que quer que o Terry tivesse pra fazer aquela noite se esforçou muito para o meu pai não saber. Se esforçou demais. Espia de outra Família? Informação para os Federais? Desviando recursos e fazendo uma grana por baixo do pano? Ou teriam sido dele os passos de homem que eu ouvi entrando sorrateiros no quarto da minha mãe nas noites que o meu pai estava fora? Terry está morto e é provável que eu nunca saiba ao certo, mas nenhuma das possibilidades que me ocorrem parece muito agradável. E como no Terry eu não tenho mais como descontar a minha raiva... – tira dos bolsos dois revólveres e os aponta para o senhor Didio, mantendo cada um dos canos a pouco mais de um centímetro de distancia de cada olho da vitima.

Didio:
- Você... Você me deu sua palavra de que me libertaria ... !

Peter:
- Eu sei. Eu menti. – puxa os dois gatilhos. O estrondo levanta poeira e o chão se tinge de vermelho – Eu faço isso. Eu sou assim.


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O topo de um edifício no centro de uma movimentada metrópole.
De braços cruzados Peter Eschibetta observa dois de seus capangas segurando o pobre Sam pelos pés, que aterrorizado observa a cidade se balançando vinte e cinco andares abaixo.

Peter:
- Estou começando a ficar entediado, Sam.

Sam:
- Tudo bem, tudo bem! Eu não queria falar nada porque o Terry ma ameaçou, mas... Naquela noite a menina fugiu e eu persegui a peste até a rodoviária! Revirei o lugar de ponta a ponta, mas não achei ela. A questão é que as câmeras de segurança que mostram ela entrando não mostram saindo. No horário que ela entrou, todos os ônibus já haviam ido embora. O único que saiu de lá depois desse horário foi um com destino a Smallville, ônibus que eu revirei e não vi ela. Os passageiros pra quem perguntei, depois de ter contado uma história triste sobre uma criança deficiente mental que é a única parenta viva de uma velhinha doente de oitenta anos, também afirmam que não viram nada. É tudo que eu tenho pra dizer, eu juro!

Peter:
- Não, não precisa jurar. Eu acredito em você. – faz um sinal com a mão para os dois capangas, que soltam Sam fazendo-o mergulhar para a morte – Smallville, é? Bom, um pouco de ar puro essa época do ano não faz mal a ninguém. Vamos para Smallville, então.


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Smallville, ruas do centro.
Por ocasião da época da colheita uma quantidade incomum de pessoas, muitas de fora, circulam pela cidade nesse momento. Entre elas Kara, ainda com seus óculos escuros de Sol, ainda com a expressão de quem comeu escorpião. A personificação do desgosto e da indiferença, todavia ela pára diante de uma loja de roupas, visivelmente atraída por um conjunto de bata e pashmina expostas na vitrine. Parando para observar se vê atropelada por uma criança. A menina de dez ou onze anos colide com ela ao entrar desabalada loja adentro, derrubando no chão os óculos de Sol de Kara e neles pisando, partindo-os. Kara dirige à pequena um penetrante olhar que expressa todo o seu desagrado, o qual para a menina, a essa altura já no interior da loja, passa despercebido completamente.
E então começa.
Kara ouve primeiro os gritos de terror antes de perceber a causa. Tiros de bala enchem o ar feito marimbondos. O povo berra, se acotovela e procura abrigo onde pode, adentrando a porta aberta mais próxima.
Kara estreita os olhos e focaliza, do outro lado da rua, agachados numa viela mal iluminada, dois homens portando armas de fogo. Ela fecha os punhos, mas qualquer que fosse sua resolução ela se perde, pois a jovem se desequilibra quando uma das balas estraçalha a vitrine ao seu lado. Ao voltar a endireitar o rosto para frente Kara não vê tempo de desviar: Um dos dois homens sacou um lança-granadas e já abriu fogo. A granada atinge Kara na altura do umbigo e a precipita para dentro da loja. A seguir vem a explosão.
O estrondo faz se ouvir aos quatro ventos. Por todo o quarteirão as vidraças se estraçalham enquanto o ar puro de Smallville se enche de pólvora, sangue e carvão.
E Kara emerge do meio dos destroços, impossivelmente incólume, sem um único arranhão, mas com as vestes rasgadas e queimadas, o cabelo antes impecável agora despenteado e chamuscado. O pior é a expressão no seu rosto enquanto ela estrala os dedos e avança na direção dos atiradores.

Kara:
- “Um revigorante período sabático em contato com o verde e um pouco de ar puro”; “Um tempo pra relaxar a cabeça longe de todo o barulho e o estresse de Metrópoles”. Por isso é que tem coisa na vida que eu nem respondo, não vale a pena.


Fim do Cap. 01


- Ítalo Azul - 

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