PROJETO XEQUE-MATE #13




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A boa estratégia pode falhar se as táticas forem ruins


Os livros de Winston Churchill estão entre os meus favoritos. Sua tenacidade – alguns chamam de teimosia – permeava todas as facetas de sua personalidade. Sua proposta de uma campanha militar em Dardanelos, durante a Primeira Guerra Mundial – exatamente a mesma que provocou a renuncia do almirante Fischer -, tornou-se uma das piores tragédias militares da história britânica. Apesar disso, 25 anos depois, ele teve a sagacidade de perceber que sua ideia central estava correta, e a coragem de tentar executar o plano novamente.
E, 1915, Churchill, então o Primeiro Lorde Almirantado, convenceu o ministério e os aliados britânicos a atacar Gallipoli, no coração do Império Otamano, a fim de criar uma linha de abastecimento para a Rússia e forçar os alemães a abrirem uma nova frente. Navios e tropas eram desviados do Mediterrâneo – isso foi o que irritou Fischer – e enviados para o estreito de Dardanelos, um ponto estratégico que divide as partes asiáticas e européia da Turquia.
Os primeiros ataques navais correram bem, mas esse foi o fim das boas notícias para os britânicos. Quando as tropas chegaram, foram colocadas sob o comando de Sir Ian Hamilton, que tinha pouco conhecimento da situação em terra. Uniram-se a ele dois comandantes, sem ninguém no comando geral da operação. Um erro tático seguiu-se a outro, enquanto as tropas britânicas sofriam pesadas baixas diante da inspirada defesa dos turcos, cuja vitória final provocou a ascensão do Coronel Mustafá Kemal – posteriormente conhecido como Ataturk -, que depois da guerra fundou a República da Turquia.
Os britânicos finalmente bateram em retirada, depois de perderem duzentos mil homens e três encouraçados. Essa tragédia humilhante custou a Churchil seu cargo no Almirantado, embora tenha sido chamado de volta logo após o início da Segunda Guerra Mundial. Em 1941, quando a Alemanha nazista atacou a União Soviética, Churchill percebeu que os soviéticos tinham muito pouco suprimentos, exatamente como a Rússia no começo da Primeira Guerra Mundial. Uma das primeiras ações soviético-britânicas, em julho de 1941, foi ocupar o Irã para assegurar linhas de abastecimento e comunicação por terra com os soviéticos. (As linhas do Mar do Norte seriam inseguras e insuficientes em uma guerra longa).


Em outubro, os Aliados começaram a abastecer os soviéticos, exatamente como Churchill imaginara em 1915. E, 1943, isso demonstrou ser de vital importância para o esforço de guerra da URSS, com mais de trezentas mil toneladas de alimentos, munição e outros suprimentos essenciais sendo fornecidos todo mês. Churchill reconheceu que o fracasso da campanha de Gallipoli não significava que o raciocínio que a embasava era falho. Independente de bons ou maus resultados, nossa análise da causa deve ser rigorosa.
No xadrez, vemos muitos casos de fracasso, de uma boa estratégia devido a táticas ineficientes, e vice-versa. Um único descuido pode desmontar os mais brilhantes conceitos. Acabam sendo ainda mais perigosos os casos em que uma má estratégia tem sucesso devido a boas táticas ou por pura sorte. Isso pode funcionar uma, mas raramente duas vezes. Por isso é tão importante questionar o sucesso com a mesma intensidade que se questiona o fracasso.

Pablo Picasso acertou quando disse, de maneira tipicamente elíptica: “Computadores são inúteis, pois apenas conseguem fornecer as respostas”. O que importa são as perguntas. Perguntar e descobrir as perguntas certas são o segredo para manter o curso. Nossas táticas e decisões do cotidiano são baseadas em nossas metas de longo prazo? A gigantesca onda de informações ameaça obscurecer a estratégia, inundando-a de detalhes e números, cálculos e análises, reações e táticas. Para ter táticas fortes, precisamos ter uma estratégia forte de um lado e cálculos precisos de outro. Ambos exigem uma visão do futuro.


Paul Morphy (1837 -84), EUA
Wilhelm Steinitz (1836 – 1900), Império Austríaco
Os fundadores


O edifício do xadrez moderno é sustentado por dois pilares, Morphy e Steinitz. O primeiro foi um pioneiro de brilho sem precedentes. O segundo documentou a forma do jogo e codificou o método em um sistema por meio do qual outros pudessem aprender. O jogo de Morphy e as partidas e escritos de Steinitz fizeram a transição do xadrez do turbulento período romântico para a era moderna dos princípios lógicos.

Parece irracional sugerir que um único jogador poderia ter impacto significativo num jogo tão antigo e num espaço de apenas um ano. No entanto, em 1857 – 8, o americano Paul Morphy criou um legado que alterou o mundo do xadrez para sempre. O rico rapaz de Nova Orleans entrou para o mundo do xadrez apenas porque ainda não tinha a idade exigida para trabalhar como advogado quando se formou. Ele rapidamente demonstrou que estava em uma classe acima dos melhores enxadristas do Estados Unidos, mas a verdadeira concorrência estava do outro lado do Atlântico.
A viagem de Morphy à Europa pode ser comparada às mais incríveis histórias de conquistas. Invertendo o caminho dos conquistadores, o rapaz de 21 anos derrotou os mais importantes jogadores da época, um após outro. Até o renomado alemão Adolf Andersen foi cabalmente derrotado. A perícia de Andersen como atacante era tal que duas de suas partidas mais notáveis receberam nomes próprios. Os jogadores da atualidade ainda se surpreendem com a beleza das partidas “A imortal” e “A sempre-viva”, quando apreciam pela primeira vez. Apesar disso, ele não conseguiu mostrar muita coisa contra o jogo seguro de Morphy. O grande jogador inglês Howard Staunton, já com certa idade, prudentemente evitou enfrentar Morphy no tabuleiro.

Morphy retomou aos Estados Unidos como herói. Não é de admirar, já que ele foi o primeiro americano a alcançar a proeminência global. Embora o título de campeão mundial do xadrez só viesse a ser reconhecido dali a trinta anos, não dúvida de que Morphy era o rei do xadrez.
Tragicamente, ele teve um reinado muito curto. Morphy nunca havia considerado o xadrez uma profissão adequada para um cavalheiro sulista e, após seu retorno da Europa, nunca mais jogou xadrez com seriedade. Ele estava perturbado pelo jogo e desencantado com a advocacia, e nunca fez uma grande carreira em nenhuma das profissões. Essa ansiedade foi exacerbada por sua ambivalência durante a Guerra Civil, e Morphy sofreu um declínio mental progressivo em seus últimos anos de vida. Com boa razão, o grande Morphy é chamado “o orgulho e a tristeza do xadrez”.

Como ele conseguiu? Como pôde alguém tão jovem, sem concorrentes adequados em sua terra natal, humilhar com tanta facilidade os melhores jogadores do mundo? O segredo de Morphy, e é improvável que ele mesmo tivesse conhecimento disso, era seu entendimento do jogo posicional. Em vez de se lançar direto ao ataque, como era a norma naquela época, Morphy primeiro se certificava de que tudo estava preparado. Ele sabia que um ataque vencedor só deveria ser lançado de uma posição forte, e que uma posição sem fraquezas não poderia ser sobrepujada.
Infelizmente, ele não deixou diagramas ou escritos que pudessem explicar seu método. Morphy estava tão à frente de seu tempo que, depois que ele saiu de cena, os românticos dominaram novamente, como se não tivessem aprendido nada. Levou mais um quarto de século para que esses princípios fundamentais de desenvolvimento e ataque fossem redescobertos e formulados.

Essa redescoberta foi uma realização de Wilhelm Steinitz. Nascido em Praga, então parte do Império Austríaco, a precoce carreira de Steinitz teve crescimento firme, e seu jogo era semelhante em estilo a seus contemporâneos. Ou seja, ele jogava de maneira especulativa e fazendo sacrifícios, dispensando pouca consideração à defesa e à racionalidade. Alcançou proeminência como jogador de ataques ousados, adquirindo o apelido de “Morphy austríaco”. Foi depois que Steinitz se mudou para Inglaterra, onde viveu durante vinte anos antes de se tornar um cidadão americano, que ele gradualmente transformou seu pensamento e seu jogo. Os longos intervalos entre torneios lhe permitiam pensar e estudar, enquanto escrevia uma apreciada coluna de xadrez e fazia exibições. Em 1870, Steinitz começou a elaborar suas teorias de defesa, fraquezas e jogo estratégico. Esse fato é o que divide a linha do tempo do xadrez nos períodos pré-Steinitz e pós-Steinitz.
Embora a imortalidade de Steinitz tenha sido assegurada por suas contribuições teóricas, ele também foi bem-sucedido em aplicá-las no tabuleiro. Em 1886, ele enfrentou Johann Zuketort, um atacante romântico da velha escola, no que hoje é lembrado como o match oficial pelo campeonato mundial. Apesar de perder quatro dos primeiros cinco jogos, Steinitz e seus princípios triunfaram no final. Ele avaliou a capacidade de seu oponente, ajustou-se e conseguiu nove vitórias contra apenas uma derrota. Zuketort não conseguia entender como Steinitz podia vencer sem ataques brilhantes. Afinal, não era assim que os jogos deveriam ser vencidos?
Quando ele passou a coroa para Emanuel Lasker em 1894, uma nova geração de enxadristas havia incorporado inteiramente os ensinamentos de Steinitz. Todos os campeões reconheceram nossa dívida para com suas teorias e princípios. A evolução do jogo prosseguiu, mas foi Steinitz, inspirado por Morphym quem primeiro trouxe o jogo à luz.

Sobre Morphy: “Até hoje, Morphy é um mestre incomparável do jogo aberto. A dimensão de sua importância é evidente pelo fato que depois dele nada de substancialmente novo foi criado nesse campo. Todos os jogadores – de principiantes a mestres – devem, em sua prática, retornar muitas vezes aos jogos do gênio americano.” – Milhail Botvinnik

Morphy em suas próprias palavras: “À diferença de outros jogos, nos quais o lucro constitui o propósito e a finalidade dos participantes, o xadrez por si só é recomendado aos sensatos, pelo fato de que suas batalhas simuladas terminam sem buscar prêmio ou honra alguma. Sem dúvida, é o jogo dos filósofos. Se deixarem que o tabuleiro substitua o pano verde do carteado, nota-se-á uma enorme melhora na moral da comunidade.”

Sobre Steinitz: “A importância dos ensinamentos de Steinitz foi ter demonstrado que, em princípio, o xadrez tem uma natureza lógica, estritamente decidida.” – Tigran Petrosian

Steinitz em suas próprias palavras: “O xadrez é difícil, exige trabalho, reflexão substancial e pesquisa cuidadosa. Somente a crítica honesta e imparcial conduz ao objetivo.”

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Até o próximo.



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